quinta-feira, 17 de março de 2011

Cine Belas Artes em São Paulo vai fechar realmente...

ATÉ BREVE BELAS ARTES
Rubens Ewald Filho
Perdemos. Mas foi uma derrota digna, batalhada até o último momento, vencida apenas no último instante. Vai fechar mesmo o cinema Belas Artes da Consolação, já que a arte sempre perde para o poder econômico, como demonstra tão bem o documentário Trabalho Interno.
São mesmo os donos do dinheiro, os grandes bancos e corporações que controlam tudo e mandam na gente. E só de vez em quando nos permitem um respiro de cultura. Mas como mera concessão.

A gente sempre reclama no Brasil que somos todos muito acomodados, não gostamos de reclamar, não somos de fazer passeata, manifesto, ficamos calados com a corrupção em altos postos e reclamamos no máximo no Procon contra a Telefônica, porque aí também o abuso é absurdo!

Considerando que somos tão apáticos e preguiçosos, temos que admitir que o movimento para salvar o Cine Belas Artes foi bem sucedido. Mesmo perdendo, ele conseguiu prolongar a vida do cinema e demonstrar um poder de aglutinação entre uma classe difícil (que são os intelectuais, sem aspas, os admiradores e fãs de cinema, que não são organizados nem necessariamente ligados a qualquer movimento, a não ser sua própria paixão pelo cinema e a arte).

Mesmo fechando, há a chance de ser recriado em outro endereço, talvez melhor aparelhado e sem aquelas escadarias que me levavam a loucura! Imagino que ainda como cinema de rua e com melhor possibilidade de estacionamento.

Claro que eu sou da geração 68 e confesso agora que sempre tive o sonho de ir para as ruas de Paris participar de maio e o protesto das ruas. Era jovem demais para isso, mas sempre achei impressionante ver os cineastas se dependurarem nas cortinas do antigo Palácio dos Festivais de Cannes e interromperem o Festival, aceitando as consequências desse ato que poderia ser considerado revolucionário ou anárquico.

Não é preciso tanto. Não sei se isso acontece com todo mundo, mas para mim as salas de cinema da minha infância ainda em Santos me perseguem nos sonhos. Retorno sempre lá, reproduzindo a cores aquilo tudo que vivi. Principalmente o primeiro que eu fui se chamava Cine Atlântico e ficava exatamente na Praça Independência, onde tinha a linha final do bonde (eu pegava o número dez porque morava na Alexandre Herculano).

Enfim, o cinema era bem antigo e hoje foi substituído por um prédio feio e banal (ao menos com uma boa livraria, a Martins Fontes). Um detalhe estranho: ele era arredondado tinha uma porta que se abria justamente para a avenida e a pior coisa: um porteiro baixinho que barrava a entrada da gente em filmes de 18 anos! Tinha como quase todos uma galeria (não se usava o nome pullman ainda) e era relativamente pequeno. Como todos eles, tinha um gongo que anunciava o começo da sessão, como um sonar de relógio. E as cortinas- que faltam fazem as cortinas nas salas de hoje – e a ausência delas tira toda solenidade, todo clima, que na época era acentuado por alguma trilha musical e principalmente a luz em resistência que ia escurecendo lentamente.
Sempre disse que as sessões de cinema eram a minha missa, onde eu professava todo domingo a tarde (o bom do interior é que se pode fazer tudo a pé ou com um simples e seguro bonde, ao menos era!).Essa impressão de pompa e circunstância e não de banalidade é coisa da minha geração e da seguinte. Hoje o cinema se esfacelou, mas se multiplicou, hoje é uma coisa trivial que você vê em celular ou em tudo que é parte, talvez ainda mais mágico por causa disso.

Mas somos nós, para quem o cinema tem outra dimensão que uma luta por uma sala de cinema que se recusa a fechar é tão importante. É como destruir nossa catedral de muitos sonhos e lembranças. Lembro-me que estudante eu vinha de Santos para São Paulo, para ver pela primeira vez a Cidadão Kane e logo depois para conhecer o Belas Artes, quando ele foi dirigido pela Sociedade Amigos da Cinemateca.

Havia pré-estreias de filmes nacionais e finalmente eu pude assistir parte do célebre acervo da Cinemateca. Foi naquele subsolo, numa sala pequenina, que eu assisti toda a retrospectiva dos filmes da Vera Cruz (de que por sinal gostei muito) e muitos clássicos do cinema.

Cheguei mesmo a fazer ponto para conversar e tomar café, nos bares em volta do cinema. Principalmente quando foi reformado e dividido em seis salas e ganhou o prestígio de ser a sede da distribuidora e produtora francesa Gaumont o Brasil. Fui muito amigo do Jean Gabriel Albicocco, cineasta francês apaixonado pelo Brasil e que foi mentor dessa ação, transformando o Cine Belas Arte numa sala a moda francesa e apresentou aqui durante os anos 80, o que de melhor a Europa produzia. Foi graças a ele, inclusive, que trouxemos a Catherine Deneuve para uma pequena retrospectiva numa das salas (ela veio discreta, elegante e profissional, claro que bela como sempre).

Nos últimos anos, quando me mudei para Cotia, passei a frequentar menos o Belas Artes, mas sempre de olho no lugar, até porque ele foi comandando por duas pessoas que eu admiro muito, ambos cineastas, homens inteligentes, que são o André Sturm (que tem a distribuidora Pandora) e o Fernando Meirelles (da O2, que acabou de ser indicada ao Oscar de Melhor Documentário). E testemunhei a luta que sempre tiveram para manter aberto o cinema, mesmo enfrentando prejuízos.

Não importa a derrota, pois foi uma bela luta e nunca em vão. Felizmente o cinema tem isso, não morre, apenas se transforma. A semente do Belas Artes irá germinar em outra parte, mais forte do que nunca. Tenho certeza.

Fonte: http://noticias.r7.com/blogs/rubens-ewald-filho/

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